Se você está lendo estas linhas, saiba que seu cérebro provavelmente difere de quem não foi alfabetizado. Estudos de neurociência já demonstraram que aprender a ler, especialmente na infância, altera a anatomia do cérebro e engrossa uma estrutura chamada corpo caloso, responsável pela conexão entre os dois hemisférios cerebrais. Se aprender a ler pode ter um impacto tão profundo, vários cientistas e pensadores estão se perguntando qual será o efeito da internet na nossa mente e na maneira como pensamos.
Recentemente, uma série de estudos, livros e debates têm tentado deslindar essa questão. A indicação inicial é de que, sim, a rede está alterando a forma como pensamos e, possivelmente, até a estrutura de nossos cérebros. Por ser um fenômeno novo – ainda não temos uma geração que tenha sido completamente formada na era da internet –, existem poucos trabalhos que confirmem o impacto no nível das sinapses.
Um dos mais famosos nessa área foi realizado pelo neurocientista Gary Small, da Universidade da Califórnia. Small comparou a mente de adultos com pouca experiência em tecnologia com a de assíduos usuários da internet. Todos realizaram testes na própria rede. A análise mostrou maior atividade na área de tomada de decisões e raciocínio complexo no cérebro das pessoas acostumadas à tecnologia. Apontou também que os inexperientes, após algum tempo, começavam a se igualar aos conectados.
Descobertas como essa vêm motivando outros cientistas e pensadores a discutirem o assunto amplamente. Deve chegar neste ano ao Brasil, por exemplo, o livro do editor americano Nicholas Carr The Shallows (algo como “O raso”), que expõe um ponto de vista mais negativo sobre o efeito da web. A tese central de Carr é que a natureza caótica e descentralizada da internet está diminuindo a nossa capacidade de concentração e contemplação profundas. Para ele, a rede está nos tornando mais idiotas.
Uma das iniciativas mais interessantes em relação a essa discussão vem da Fundação Edge. No começo deste ano, a instituição lançou a pergunta sobre o impacto da web para colaboradores como Kevin Kelly, Richard Dawkins e Nassim Taleb. As dezenas de textos produzidos estão reunidos no site da fundação.
Um dos destaques é o pensador Kevin Kelly, que se vale de exemplos neurológicos já conhecidos para inferir que o impacto da internet é real e lança, a partir de sua experiência pessoal, várias ideias sobre como a rede está alterando o processo de pensamento.
Ele argumenta, por exemplo, que apesar de a rede ter nos tornado mais capazes de acessar conhecimento também ampliou a incerteza em relação à informação. “Tudo o que eu aprendo está sujeito à imediata erosão”, afirma. Isso provoca o que o autor chama de “liquidez mental”: o pensamento se tornou mais fluido. Agora a mudança de opinião é mais constante e os extremos de interesse e desinteresse em relação a vários assuntos se ampliaram.
Kelly não está certo sobre as consequências desse processo, mas acredita que uma delas é tornar mais tênue a fronteira entre trabalho e lazer. “Não consigo mais distinguir quando estou trabalhando online de quando estou me divertindo”, admite. A “perda de tempo com bobagens” seria, para ele, um fertilizante à criatividade (exemplo: enquanto escrevia o ensaio da Edge, Kelly assistiu no YouTube a um sujeito na Finlândia, vestido de Papai Noel, queimando uma árvore natalina, e outro na Índia comendo sujeira). Muitos podem criticar o fenômeno. Para Kelly, porém, a confluência do “sério” e do “lúdico” é um dos grandes feitos da web.
Ele também contesta teses como a defendida por Carr de que a internet está reduzindo nossa concentração (“é uma ideia superestimada”) e acha que diminuir a contemplação está longe de ser um problema. “Para alguns, a perda de contemplação é um dos maiores problemas da internet. (...)
Eu me pergunto: comparado a o quê? Assistir à televisão ou ler jornais que impõem sua opinião, ou simplesmente ficar sentado em casa meditando em círculos sobre coisas na minha cabeça sem nenhuma informação nova?” Kelly acha que a internet leva à ação, o que seria em geral preferível à contemplação.
Em meio a essa conversa, o especialista em comunicação espanhol Daniel H. Cabrera sugere olhar a questão pelo ângulo oposto. Para ele, a massa informe de conteúdo da web é um reflexo da memória, da imaginação, do pensamento humanos. Menos do que moldar o nosso cérebro, a internet seria moldada por ele.
Cabrera diz que nossa mente busca a formação de analogias o tempo todo. A prosa escrita evoca um sabor, um som nos faz lembrar de uma imagem, e assim por diante. Essas conexões seriam os nossos hiperlinks cerebrais, e a internet seria uma das formas de comunicação que mais se assemelham a nós próprios. Criador e criatura se influenciam de forma parecida. O debate continua... na rede.
Fonte: Época Negócios
Um dos mais famosos nessa área foi realizado pelo neurocientista Gary Small, da Universidade da Califórnia. Small comparou a mente de adultos com pouca experiência em tecnologia com a de assíduos usuários da internet. Todos realizaram testes na própria rede. A análise mostrou maior atividade na área de tomada de decisões e raciocínio complexo no cérebro das pessoas acostumadas à tecnologia. Apontou também que os inexperientes, após algum tempo, começavam a se igualar aos conectados.
Descobertas como essa vêm motivando outros cientistas e pensadores a discutirem o assunto amplamente. Deve chegar neste ano ao Brasil, por exemplo, o livro do editor americano Nicholas Carr The Shallows (algo como “O raso”), que expõe um ponto de vista mais negativo sobre o efeito da web. A tese central de Carr é que a natureza caótica e descentralizada da internet está diminuindo a nossa capacidade de concentração e contemplação profundas. Para ele, a rede está nos tornando mais idiotas.
Estudos mostram que os cérebros de usuários da web
têm maior atividade na área de raciocínio complexo
têm maior atividade na área de raciocínio complexo
Uma das iniciativas mais interessantes em relação a essa discussão vem da Fundação Edge. No começo deste ano, a instituição lançou a pergunta sobre o impacto da web para colaboradores como Kevin Kelly, Richard Dawkins e Nassim Taleb. As dezenas de textos produzidos estão reunidos no site da fundação.
Um dos destaques é o pensador Kevin Kelly, que se vale de exemplos neurológicos já conhecidos para inferir que o impacto da internet é real e lança, a partir de sua experiência pessoal, várias ideias sobre como a rede está alterando o processo de pensamento.
Ele argumenta, por exemplo, que apesar de a rede ter nos tornado mais capazes de acessar conhecimento também ampliou a incerteza em relação à informação. “Tudo o que eu aprendo está sujeito à imediata erosão”, afirma. Isso provoca o que o autor chama de “liquidez mental”: o pensamento se tornou mais fluido. Agora a mudança de opinião é mais constante e os extremos de interesse e desinteresse em relação a vários assuntos se ampliaram.
Kelly não está certo sobre as consequências desse processo, mas acredita que uma delas é tornar mais tênue a fronteira entre trabalho e lazer. “Não consigo mais distinguir quando estou trabalhando online de quando estou me divertindo”, admite. A “perda de tempo com bobagens” seria, para ele, um fertilizante à criatividade (exemplo: enquanto escrevia o ensaio da Edge, Kelly assistiu no YouTube a um sujeito na Finlândia, vestido de Papai Noel, queimando uma árvore natalina, e outro na Índia comendo sujeira). Muitos podem criticar o fenômeno. Para Kelly, porém, a confluência do “sério” e do “lúdico” é um dos grandes feitos da web.
Ele também contesta teses como a defendida por Carr de que a internet está reduzindo nossa concentração (“é uma ideia superestimada”) e acha que diminuir a contemplação está longe de ser um problema. “Para alguns, a perda de contemplação é um dos maiores problemas da internet. (...)
Eu me pergunto: comparado a o quê? Assistir à televisão ou ler jornais que impõem sua opinião, ou simplesmente ficar sentado em casa meditando em círculos sobre coisas na minha cabeça sem nenhuma informação nova?” Kelly acha que a internet leva à ação, o que seria em geral preferível à contemplação.
Em meio a essa conversa, o especialista em comunicação espanhol Daniel H. Cabrera sugere olhar a questão pelo ângulo oposto. Para ele, a massa informe de conteúdo da web é um reflexo da memória, da imaginação, do pensamento humanos. Menos do que moldar o nosso cérebro, a internet seria moldada por ele.
Cabrera diz que nossa mente busca a formação de analogias o tempo todo. A prosa escrita evoca um sabor, um som nos faz lembrar de uma imagem, e assim por diante. Essas conexões seriam os nossos hiperlinks cerebrais, e a internet seria uma das formas de comunicação que mais se assemelham a nós próprios. Criador e criatura se influenciam de forma parecida. O debate continua... na rede.
Fonte: Época Negócios
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