
Um dos mais famosos nessa área foi realizado pelo neurocientista Gary Small, da Universidade da Califórnia. Small comparou a mente de adultos com pouca experiência em tecnologia com a de assíduos usuários da internet. Todos realizaram testes na própria rede. A análise mostrou maior atividade na área de tomada de decisões e raciocínio complexo no cérebro das pessoas acostumadas à tecnologia. Apontou também que os inexperientes, após algum tempo, começavam a se igualar aos conectados.
Descobertas como essa vêm motivando outros cientistas e pensadores a discutirem o assunto amplamente. Deve chegar neste ano ao Brasil, por exemplo, o livro do editor americano Nicholas Carr The Shallows (algo como “O raso”), que expõe um ponto de vista mais negativo sobre o efeito da web. A tese central de Carr é que a natureza caótica e descentralizada da internet está diminuindo a nossa capacidade de concentração e contemplação profundas. Para ele, a rede está nos tornando mais idiotas.
têm maior atividade na área de raciocínio complexo
Uma das iniciativas mais interessantes em relação a essa discussão vem da Fundação Edge. No começo deste ano, a instituição lançou a pergunta sobre o impacto da web para colaboradores como Kevin Kelly, Richard Dawkins e Nassim Taleb. As dezenas de textos produzidos estão reunidos no site da fundação.
Um dos destaques é o pensador Kevin Kelly, que se vale de exemplos neurológicos já conhecidos para inferir que o impacto da internet é real e lança, a partir de sua experiência pessoal, várias ideias sobre como a rede está alterando o processo de pensamento.
Ele argumenta, por exemplo, que apesar de a rede ter nos tornado mais capazes de acessar conhecimento também ampliou a incerteza em relação à informação. “Tudo o que eu aprendo está sujeito à imediata erosão”, afirma. Isso provoca o que o autor chama de “liquidez mental”: o pensamento se tornou mais fluido. Agora a mudança de opinião é mais constante e os extremos de interesse e desinteresse em relação a vários assuntos se ampliaram.
Kelly não está certo sobre as consequências desse processo, mas acredita que uma delas é tornar mais tênue a fronteira entre trabalho e lazer. “Não consigo mais distinguir quando estou trabalhando online de quando estou me divertindo”, admite. A “perda de tempo com bobagens” seria, para ele, um fertilizante à criatividade (exemplo: enquanto escrevia o ensaio da Edge, Kelly assistiu no YouTube a um sujeito na Finlândia, vestido de Papai Noel, queimando uma árvore natalina, e outro na Índia comendo sujeira). Muitos podem criticar o fenômeno. Para Kelly, porém, a confluência do “sério” e do “lúdico” é um dos grandes feitos da web.
Ele também contesta teses como a defendida por Carr de que a internet está reduzindo nossa concentração (“é uma ideia superestimada”) e acha que diminuir a contemplação está longe de ser um problema. “Para alguns, a perda de contemplação é um dos maiores problemas da internet. (...)
Eu me pergunto: comparado a o quê? Assistir à televisão ou ler jornais que impõem sua opinião, ou simplesmente ficar sentado em casa meditando em círculos sobre coisas na minha cabeça sem nenhuma informação nova?” Kelly acha que a internet leva à ação, o que seria em geral preferível à contemplação.
Em meio a essa conversa, o especialista em comunicação espanhol Daniel H. Cabrera sugere olhar a questão pelo ângulo oposto. Para ele, a massa informe de conteúdo da web é um reflexo da memória, da imaginação, do pensamento humanos. Menos do que moldar o nosso cérebro, a internet seria moldada por ele.
Cabrera diz que nossa mente busca a formação de analogias o tempo todo. A prosa escrita evoca um sabor, um som nos faz lembrar de uma imagem, e assim por diante. Essas conexões seriam os nossos hiperlinks cerebrais, e a internet seria uma das formas de comunicação que mais se assemelham a nós próprios. Criador e criatura se influenciam de forma parecida. O debate continua... na rede.
Fonte: Época Negócios